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Já se vão mais de 10 anos, quando encontrei na seção de cartas do leitor, num jornal de grande circulação, um triste e emotivo apelo. Pela redação deduzi que os autores eram pessoas com boa intelectualidade, pois a mensagem iniciava com uma citação de Lia Luft: "Nunca fui tão filha como na orfandade", e seguia clamando: "Meu filho! Onde estás? Como estás? Não espere para ver teus pais quando, como também disse a escritora, vivermos na clausura da memória adormecida. Te amamos". A identificação que seguia eram apenas as iniciais.
Senti um aperto no coração ao ler esse desabafo público e por reconhecer o quanto essa angústia é comum. A maioria dos pais cria, cuida, educa e se doa totalmente aos filhos. Eles crescem, têm sua própria vida e interesses e acabam os esquecendo. Quantos desses pais não aguardam uma visita ou pelo menos um telefonema, ainda que somente em dias especiais, recebendo o silêncio como resposta. Muitas vezes eles se encorajam e tomam a iniciativa da procura, mas somente encontram a impaciência ou a indiferença do outro lado.
Os tribunais têm debatido muito o abandono afetivo paterno com relação ao filho. Mas e quando ocorre o inverso? Talvez o abandono filial seja até mais comum e passe despercebido exatamente por ser tão corriqueiro. Quem sabe essas condutas não sejam tão divulgadas porque os pais perdoam e silenciam suas dores? O amor parental é incondicional e uma breve visita ou uma pequena atenção já apaga a lembrança da rejeição silenciosa.
Tramita no Senado Federal um projeto de lei que prevê a deserdação pelo abandono material e afetivo dos idosos, por parte da família. Na Espanha, recentemente, foi aprovada uma lei nesse sentido. Tal ameaça não é a forma desejável para que os idosos sejam valorizados, eis que as relações familiares devem ir muito além das questões meramente patrimoniais, devendo prevalecer o afeto e a preservação da dignidade humana.
Precisamos é, todos nós, rever esse comportamento, sem a necessidade da previsão legal da perda material. É muito fácil julgar a conduta dos outros, mas e os nossos próprios erros? O clamor público desses pais era um alerta não somente para o seu próprio filho (tomara que ele fosse leitor do jornal e tenha atendido o emocionante apelo), mas para todos os filhos, eternos devedores de afeto para quem lhes deu a vida.
Uma antiga música traz em seus versos uma grande lição: "Só feche seu livro quem já aprendeu. Só peça outro amor quem já deu do seu. Quem não soube a sombra, não sabe a luz. Vem, não perde o amor de quem te conduz". A sua estrofe fala da necessidade contínua do afeto e da presença da outra pessoa, quando repete: "Eu preciso muito de você". Porém, num momento inspirador, seu compositor, o talentoso Taiguara, finaliza a canção lembrando que a necessidade pela convivência é recíproca, pois um dia a vida trará a sua cobrança e o abandono afetivo inverso poderá se repetir: "Nós precisamos, precisamos sim, você de mim, eu de você".